Principal fator a determinar o desempenho mensurado em testes de aprendizagem é o nível de renda e escolaridade das famílias
Artigo de Antônio Gois, via O Globo
Há duas semanas, a prefeitura de São Paulo anunciou o afastamento de diretores de escola, supostamente por maus resultados em avaliações externas da aprendizagem. Os critérios não estão claros, já que nem todos os afastados estavam em unidades entre os piores Idebs. Diante da reação negativa, a secretaria tentou argumentar que não seria uma medida punitiva, que os diretores passariam por um curso de qualificação e que o objetivo seria melhorar os indicadores de aprendizagem. Se esta for de fato a motivação, a medida tende a ser ineficaz. Por várias razões.
A primeira é tomar o Ideb e avaliações similares como único termômetro de qualidade. Na semana passada, o Instituto Cultiva realizou uma análise comparativa entre as 50 escolas com melhores e piores desempenhos no Ideb na capital paulista. Todos os estabelecimentos com melhores médias estão em distritos de renda maior, ao passo que as escolas com piores índices se concentram em áreas mais vulneráveis. Os achados dessa pesquisa confirmam uma das evidências mais consolidadas do campo da avaliação educacional: o principal fator a determinar o desempenho mensurado em testes de aprendizagem é o nível de renda e escolaridade das famílias.
Isso não significa, de forma alguma, que o trabalho realizado por professores e diretores nas escolas seja irrelevante para o desempenho dos alunos. Ele é especialmente mais importante para crianças e jovens mais vulneráveis, e há evidências de que, dentre os fatores intraescolares, os de maior impacto são professores e diretores. Cientes disso, os sistemas educacionais de melhor desempenho no mundo investem fortemente na seleção, formação e apoio a esses profissionais. Modelos de avaliação variam bastante, mas, mesmo nos países que mais adotam o monitoramento de resultados com consequências, a decisão sobre o afastamento não acontece baseada só no resultado em testes.
Primeiro, há clareza sobre o que se espera desses profissionais. Eles recebem formação prévia e contínua no cargo, alinhadas a essas expectativas, e são avaliados a partir de um conjunto de indicadores, incluindo a opinião de pais, alunos e professores sobre sua atuação. Segundo, há apoio para que possam liderar processos de transformação. E há sobretudo o entendimento de que as ações que levam à melhoria de uma escola não dependem apenas do que acontece dentro dela.
É por isso que governos precisam também fazer sua parte, às vezes agindo para atacar problemas que sequer dizem respeito ao campo educacional, como as condições de vida e segurança ao redor da escola. Em resumo, uma boa gestão escolar faz a diferença, mas não realiza milagres. No livro “Organizing Schools for Improvment” (“Organizando escolas para a melhoria”), Anthony Bryk, um dos principais nomes de uma reforma que elevou significativamente indicadores educacionais de Chicago, assim resume o dilema de escolas em áreas vulneráveis:
“Acreditamos que todas as escolas podem e devem melhorar. Essa afirmação representa nossas maiores e mais nobres aspirações para crianças, escolas e sistemas educacionais. São ideias dignas de nossas crenças e ações. Mas há que se considerar também os fatos, às vezes fatos brutais. Nem todas as comunidades escolares começam do mesmo ponto de partida e enfrentam os mesmos problemas. A não ser que reconheçamos isso, a não ser que entendamos mais profundamente as dinâmicas da estagnação de uma escola, especialmente nas nossas comunidades mais negligenciadas, estaremos prestes a repetir os fracassos do passado.”
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