Nos dias 30 e 31 de maio de 2025, São Paulo foi cenário de importantes mobilizações que evidenciam a resistência da comunidade educacional frente aos ataques à gestão democrática nas escolas e à necessidade de participação popular na construção das políticas educacionais. No dia 30, a Casa de Portugal sediou um ato de desagravo organizado pelo Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (SINESP), em repúdio ao afastamento de 25 diretores escolares pela gestão do prefeito Ricardo Nunes. O ato denunciou o caráter autoritário da medida, vista por educadores e comunidades como um grave retrocesso na autonomia das unidades escolares.
No mesmo espaço, e dando sequência à mobilização, teve início o seminário “A Sociedade Civil Orienta o Plano Nacional de Educação 2025-2035”, promovido pelo SINESP em parceria com o Instituto Cultiva. Com a participação de especialistas, gestores e representantes da sociedade civil, o seminário buscou debater diretrizes para o novo ciclo do PNE, com ênfase em financiamento público, valorização profissional e gestão democrática da educação, dentre outros eixos orientadores.
Os dois eventos se articularam como expressão de resistência e proposição, reafirmando o compromisso da categoria com uma educação pública, laica, gratuita, inclusiva, com financiamento robusto e socialmente referenciada.
As resoluções apresentadas a seguir foram construídas coletivamente no encerramento do seminário, no dia 31 de maio, a partir dos debates realizados e da escuta ativa dos participantes, expressando os consensos e compromissos assumidos pelas representações presentes.
Eixo 1 – O PNE e o Sistema Nacional de Educação
A criação de um Sistema Nacional de Educação (SNE) deve respeitar a autonomia dos entes federados, bem como as especificidades históricas, sociais e culturais de cada sistema de ensino.
É fundamental reconhecer que os percursos históricos dos territórios influenciam diretamente as políticas educacionais locais. Portanto, a implementação do SNE deve considerar os acúmulos e fragilidades regionais, evitando a homogeneização das soluções.
Eixo 2 – Direito à educação de qualidade
A formação docente vem sendo comprometida pela expansão acelerada e desregulada da Educação a Distância (EAD) nas licenciaturas. O crescimento dessa modalidade, especialmente na pedagogia, acarreta sérios prejuízos na qualidade da formação, reduzindo a densidade dos currículos e enfraquecendo o vínculo com a prática escolar.
É necessário o monitoramento rigoroso dos cursos de licenciatura, com especial atenção aos seus currículos e impactos de longo prazo sobre a qualidade do ensino.
A qualidade do acesso ao conhecimento deve estar atrelada à adequação dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) das escolas, construídos com base na realidade dos territórios e articulados criticamente à Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
A grade curricular do ensino médio público, por sua vez, não tem garantido a preparação adequada dos estudantes para exames como o ENEM, que funciona como um mecanismo de exclusão dos jovens das escolas públicas.
A política de formação docente precisa ser qualificada, mas não a partir de um viés tecnicista ou de baixo custo – e sim como um projeto ideológico de valorização da profissão e da escola pública.
Eixo 3 – Educação como um direito humano fundamental
A educação como direito humano exige garantia real de acesso, permanência e aprendizagem, com prioridade à inclusão de estudantes com deficiência, como os alunos com TEA, que em algumas EMEIs já representam 1/3 das matrículas.
Para a efetividade dessa inclusão, é imprescindível que se disponha de recursos humanos qualificados, o que hoje não ocorre em grande parte das redes.
É necessária a transparência nos dados de inclusão e o desenvolvimento de indicadores de desenvolvimento local com foco transversal na questão racial e inclusiva, de modo que o aspecto pedagógico também seja evidenciado nos índices oficiais.
A educação antirracista precisa avançar por meio da implementação efetiva da Lei 10.639/03, com apoio e criação de um Observatório.
É essencial também rejeitar o homeschooling, que representa uma ameaça à socialização e à garantia de direitos básicos da criança e do adolescente.
Os eixos se conectam na medida em que a inclusão, a qualidade da educação e a valorização profissional estão interligadas e se condicionam mutuamente.
Eixo 4 – Gestão democrática e educação de qualidade
A gestão democrática deve ser construída com gestores concursados, com estabilidade e condições para criar vínculos duradouros com a comunidade escolar.
A educação infantil vem sendo alvo de processos de privatização, sendo fundamental a valorização da rede direta e o respeito aos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) das escolas.
Muitos marcos legais são descumpridos, especialmente quando não há participação ativa de conselhos escolares fortalecidos e sindicatos atuantes.
A gestão democrática deve ampliar o diálogo com as famílias e garantir que as decisões pedagógicas e administrativas sejam compartilhadas.
Reafirmação da importância da permanência de diretores concursados no exercício da função como condição essencial para a garantia da gestão democrática e da estabilidade institucional nas escolas públicas.
Eixo 5 – Valorização dos profissionais
A valorização deve ser ampla e abrangente, contemplando não apenas o piso salarial dos professores, mas também o de gestores escolares, ATEs e demais profissionais da educação.
A residência docente (estágio) deve ser repensada criticamente, especialmente diante das condições precárias de trabalho que incidem sobre a formação.
É preciso repudiar as políticas de bonificação baseadas em índices como o IDEB, que desconsideram as desigualdades estruturais e colocam peso injusto sobre trabalhadores da educação.
A proposta de criação de um observatório com participação de universidades e sindicatos visa promover controle social e monitoramento contínuo das condições de trabalho.
A valorização exige a realização de concursos públicos e a defesa de carreiras estruturadas, capazes de reconhecer a complexidade e o valor do trabalho educacional.
Eixo 6 – Financiamento público
A verba pública deve ser destinada exclusivamente à educação pública com gestão pública, repudiando o financiamento indireto à iniciativa privada por meio de programas como o FIES ou Parcerias Público-Privada (PPPs).
Defende-se a regulamentação e arrecadação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) previsto na Constituição Federal (1988) como forma de garantir os 10% do PIB para a educação pública, conforme previsto no atual PNE.
É urgente avançar na transparência dos recursos, especialmente com relação à prestação de contas do FUNDEB e ao cumprimento da vinculação de 25% da receita com educação.
Reforçar que verba pública é central na disputa política, devendo ser defendida por meio de fóruns estaduais e nacionais de educação, com participação presencial garantida.
Eixo 7 – Compromisso da educação com a vida (sustentabilidade, desigualdade, pobreza e justiça social)
A educação deve ser pensada como instrumento de transformação socioambiental, com atenção à justiça climática e às desigualdades territoriais.
O desenvolvimento socioambiental deve estar refletido nos PPP das escolas, nos currículos e na formação de professores, considerando as altas temperaturas e as crises ambientais que afetam diretamente a vida escolar.
Propõem-se ações como a instalação de painéis solares, tetos verdes e a readequação da infraestrutura escolar para enfrentar os impactos das mudanças climáticas.
Critica-se a BNCC por impor um currículo único, que não respeita as diversidades culturais e territoriais, sendo necessário garantir que a educação rompa com o abismo no acesso ao conhecimento.
A escola precisa ser um espaço de promoção de justiça social, equidade e sustentabilidade, com políticas públicas que dialoguem com a realidade dos territórios.
Documento sintetizado por Juliana Meato e Mariana Martins (Política Institucional | Instituto Cultiva)
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