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RUDÁ RICCI: O enigma juventude brasileira

Alguns alertam que não se trata de juventude, mas de juventudes, no plural. É o olhar antropológico, que se fia pelas identidades culturais.

Em 2022, quando das eleições presidenciais, o PoderData publicou uma pesquisa realizada com jovens de 16 a 24 anos de idade que indicava que 51% deles afirmavam que votariam em Lula, sendo que apenas 29% diziam votar em Bolsonaro. Então, os jovens seriam de esquerda? Nem tanto.

A Unifesp realizou pesquisa recente que indicou que 31,4% dos jovens afirmaram que nunca tiveram posição ideológica alguma, nem de esquerda, nem de direita. Assim, 1/3 dos jovens brasileiros não se definem ideologicamente, podendo votar num ou outro candidato em virtude do momento ou perfil da candidatura.

Há inúmeras pesquisas que indicam algo semelhante em relação ao brasileiro em geral. A Vox Populi sugere quem 21% do eleitorado brasileiro “gosta do PT, mas não se sentem petistas”; sendo que 38% “não gostam, nem desgostam do PT e da esquerda”.

Um estudo mais profundo empreendido por Pedro Henrique Marques, baseado nos dados de 2017 organizados pelo Projeto de Opinião Pública da América Latina, sugere que apenas 26,7% dos brasileiros que se definem de direita ou esquerda são coerentes com seu posicionamento em relação à economia, papel do Estado, políticas sociais e temas comportamentais.

No caso dos que se dizem de esquerda, a única variável que estatisticamente foi relevante foi a preferência por algum partido de esquerda. As mulheres também se definiram mais à esquerda que os homens.

No caso dos que se dizem de direita, a coerência é maior entre os de nível de escolaridade mais alta. Ser homem aumenta as chances de dizer-se de direita e ser conservador. Ter menor escolaridade também se associa a ter mais simpatia ao ideário de direita.

Neste caso, a juventude brasileira não se distancia da média de opinião e do ideário de todos os brasileiros, independente da faixa etária.

Uma pesquisa realizada em julho de 2025 indicou algo que aparentemente é mais volátil em termos de posicionamento ideológico no Brasil e que segue certa distinção geracional.

Nesta pesquisa, quanto mais jovem, maior a identificação com o ideário de esquerda; quanto mais velho, menor. Com efeito, entre 16 e 18 anos de idade, 44,5% dos brasileiros se identificam com a esquerda, apenas 6,3% se inclinam para o centro e 11,2% com a direita. Contudo, quase 40% se dizem desiludidos ou alienados em relação à política.

Na faixa de 19 a 24 anos, 33,7% se inclinam para a esquerda e entre 25 e 30 anos, os que se alinham a esta ideologia são apenas 18,9%. A direita tem mais adeptos na faixa de 19 e 24 anos, caindo na faixa etária seguinte.

O posicionamento ideológico da juventude brasileira parece uma incógnita. Talvez, porque sua agenda tem relação com temas que tanto esquerda, quanto direita, têm muita dificuldade para abraçar, caso da agenda ambiental, da sexualidade e até de organização. No caso da organização jovem, a preferência organizativa recai para agrupamentos menores, coletivos e células, de caráter mais comunitário e intimista. Em termos de mobilização e agitação – não necessariamente que estimulam a organização –, a preferência pelas redes sociais dispara. 83% das crianças e adolescentes brasileiros de 9 a 17 anos que usam internet têm contas em plataformas como WhatsApp, Instagram e TikTok (essa proporção sobe para 99% entre jovens de 15 a 17 anos); 70% acessam essas redes diariamente ou várias vezes ao dia. O WhatsApp é a plataforma mais utilizada, seguida pelo Instagram e TikTok. Dados do Levantamento TIC Kids Online Brasil 2024 que ouviu jovens de 9 a 17 anos e seus pais ou responsáveis.

O perfil ideológico dos jovens brasileiros é uma incógnita até mesmo para quem já se definiu partidariamente. Dados do Tribunal Superior Eleitoral de 2021 indicavam que apenas 1,86% dos jovens de 16 a 24 anos são filiados a partidos políticos. As agremiações que contam com o maior número de jovens em suas fileiras são a Unidade Popular (UP), com 35,8%, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), com 10,1%, e a Rede Sustentabilidade (Rede), com 7,4%.

Pois bem, no PT, o maior partido do campo de centro-esquerda no Brasil, a falta de espaço e poder vem sendo um tema discutido nos escaninhos partidários. Em 2013, a Secretaria Nacional da Juventude petista emitiu diversas notas apoiando as manifestações de junho e criticando as políticas adotadas pelo então prefeito paulistano, Fernando Haddad. No ano seguinte, uma articulação nacional envolvendo principalmente jovens petistas de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul chegaram a esboçar um documento tratando da crise geracional. O documento foi desmotivado por parlamentares e dirigentes do alto escalão partidário.

Jovens candidatos a postos parlamentares reclamam de como as Federações Partidárias diminuíram as suas chances de eleição ou acesso ao Fundo Eleitoral, dado que a composição entre partidos joga seus candidatos mais experientes – e de maior faixa etária – para o topo da lista montada pelas federações. Jovens e mulheres são jogados para baixo, dado que não são prioritários eleitoralmente para os partidos aliados numa federação.

Assim, o ambiente partidário não parece tão promissor para os jovens do campo progressista. Algo que parece o oposto para jovens inclinados à extrema-direita.

Com efeito, o núcleo liderado por Nikolas Ferreira, denominado Geração ZSus, se constituiu num bloco político poderoso a partir de 2015, ano das mobilizações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. O bloco é formado por jovens da Geração Z (pessoas nascidas aproximadamente entre meados da década de 1990 e o início dos anos 2010), todos evangélicos, que se identificaram com as mobilizações contestatórias e agressivas daquele 2015. Se no passado a juventude exprimia seu descontentamento com o establishment pelas mobilizações lideradas pela esquerda, no século 21, até aqui, quem confronta a ordem política é a extrema-direita. O vigor e revolta juvenil vêm carreando jovens que atingiram a adolescência no período em que o lulismo passou a governar o país. De 2002 até hoje, o PT elegeu presidentes por 5 vezes, se tornando a expressão do poder político em nosso país.

Os dados recentes indicam não exatamente um alinhamento ideológico da juventude brasileira, mas um caminho de expressão dos seus interesses e valores. Continuam contestando e se revoltando contra a ordem política e social, buscam mais espaço e visibilidade, mas se organizam de maneira muito distinta às estruturas políticas do mundo moderno. São mais fragmentários e provisórios na organização.

O enigma parece que vai continuar por algum tempo. Justamente porque os donos do poder, à esquerda e à direita, não parecem tão afeitos às suas causas e formas de organização. Talvez, posturas refratárias aos jovens mais à esquerda que à direita.