Por Micaela Passerino Gluz
Via Le Monde Diplomatique Brasil
Foi dada a largada para o rol de audiências públicas do projeto do Executivo (PL 2.614/2024) que institui o novo Plano Nacional de Educação (PNE). A proposta, que segue na Comissão de Educação no Senado Federal, sob a liderança do senador Flávio Arns (PSB-PR), lista 18 pontos1 sobre o tema, desde a Educação Infantil até a Pós-Graduação stricto sensu, descrevendo os objetivos, as metas e estratégias para a educação.
De todos esses pontos, o mais relevante é o eixo do financiamento, pois, afinal, é ele quem sustentará a realização dos demais. Ainda não alcançamos a meta do primeiro PNE (2011), que estabelecia o volume de recursos equivalentes a 7% do Produto Interno Bruto (PIB), nem na metade do segundo PNE (2014), que propunha 10%, e chegamos a 2024, com a declaração do Inep de que o gasto público em educação pública oscilou em torno dos 5% do PIB na década.
A despeito da meta frustrada, o novo PNE vislumbra, novamente, um investimento equivalente a 10% do PIB até o ano de 2034 para a educação. Será que agora é para valer? Precisa ser. A infraestrutura escolar no Brasil ainda é um desafio. O país ainda tem mais de 1,2 milhão de estudantes atendidos por 3 mil escolas públicas sem água nos seus estabelecimentos. Se for feita uma análise por estado, o cenário é cruel: as escolas no Acre que não têm água equivale a 25,9%. No Maranhão, o índice é de 8,6% e, no Pará, de 8,6%, segundo dados do último Censo Escolar (2023).
Dos 136 mil estabelecimentos educacionais públicos, 2,5 mil escolas não têm energia elétrica, e as situações mais precárias se encontrram no Acre, com um terço das escolas (33,5%) sem luz, seguido por Roraima (18,3%) e pelo Amazonas (16,5%). No quesito saneamento básico, são 6,3 mil escolas sem esgoto (4,5%). Quase metade das escolas no Acre não tem esgoto (43%), no Amazonas esse percentual chega a 30% e em Roraima o equivalente a 23,5%.
Como milhares de estudantes terão bom desempenho escolar quando são submetidos a passar 4 horas diárias ou mais (no caso de escolas em tempo integral) em um lugar sem água, sem banheiro e sem luz? Como desenvolver um plano pedagógico de ensino-aprendizagem dessa forma?
O cenário de nossas escolas públicas ainda está longe do mínimo. É importante pensarmos no futuro e na modernização das nossas escolas, mas – diante de cidades inteiras com escolas sem luz ou sem água ou sem esgoto ou sem os três –, fica impossível viabilizar o acesso a um ensino público de qualidade sem garantir o decente funcionamento dos estabelecimentos educacionais.
O que o novo PNE tem a ver com isso? Ele é o instrumento para desenhar o que é a educação brasileira e o que queremos alcançar no futuro. Para que funcione, é preciso construir um plano que reconheça a situação atual do ensino, realizando atentamente um diagnóstico das redes para a definição de objetivos a partir das necessidades e prioridades. O projeto de educação deve ser compreendido na sua totalidade.
Desse modo, não cabem debates setorizados, em que cada parte pensa suas prioridades, esquecendo-se do todo. Não há tempo para repetir os erros do PNE que se finda, cujas metas e objetivos foram constituídos como uma colcha de retalhos. O modo como cada eixo está sendo organizado (Ed. Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ed. Inclusiva, Ed. Quilombola, Ed. Índigena, EJA, Gestão, Profissionais, e assim por diante) sinaliza que, novamente, o Brasil não está enxergando a educação como algo único.
Só há uma maneira de saber o que o país quer com a educação nos próximos 10 anos, e essa resposta passa pela unificação de todas as propostas, por meio do Sistema Nacional de Educação. Contudo, no novo PNE, a menção a esse Sistema só aparece no artigo 23, ainda assim, com prazo de dois anos para acontecer de verdade. Será? Ou essa ideia é mais uma para que ficará no papel como o antigo plano?
O novo PNE não deve estar a mercê do projeto político econômico. Pelo contrário, a educação é quem deve ditar a pauta econômica. Se há algo animador na proposta, é o fato de não haver retrocessos no percentual, equivalente a 10% do PIB, para educação. Garantir um financiamento robusto na educação é uma esperança para crianças, jovens e adultos que anseiam por uma escola com acesso fácil e infraestrutura de qualidade. A educação é um direito de todos. Aguardemos os próximos capítulos.
Micaela Passerino Gluz é pedagoga, mestre em Educação pela Universidade de São Paulo, doutoranda em Educação pela UFRGS e coordenadora de Educação do Instituto Cultiva.
1 Os 18 pontos listados no novo Plano Nacional de Educação são: Acesso e Qualidade da Educação Infantil; Alfabetização; Acesso, Trajetória e Conclusão no Ensino Fundamental e no Ensino Médio; Aprendizagem no Ensino Fundamental e no Ensino Médio; Educação Integral em Tempo Integral; Conectividade, Educação para as Tecnologias e Cidadania Digital; Educação Escolar Indígena, Educação do Campo e Educação Escolar Quilombola; Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e Educação Bilíngue de Surdos; Educação de Jovens, Adultos e Idosos; Acesso, permanência, qualidade e conclusão na Educação Profissional e Tecnológica; Acesso, Permanência, Qualidade e Conclusão na Graduação; Pós-Graduação stricto sensu; Profissionais da Educação Básica; Participação Social e Gestão Democrática; e Financiamento e infraestrutura da Educação Básica.
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