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ARTIGO: Por que ainda existe desigualdade entre homens e mulheres?

Por Carol Pereira Santos¹

As desigualdades de gênero têm raízes profundas e multifacetadas, ancoradas na história, cultura, instituições e na estrutura social e econômica, fatores fundamentais para compreender a persistência das disparidades entre os gêneros. Por séculos, as mulheres foram vistas como inferiores aos homens, uma ideia reforçada por tradições patriarcais que concediam aos homens mais poder, direitos e oportunidades, tanto na vida pública quanto na doméstica. Esse legado continua a influenciar muitas estruturas sociais e políticas até os dias atuais. Desde a infância, meninos e meninas são socializados de maneiras diferentes, com expectativas sobre o que é considerado “apropriado” para cada gênero, o que impacta suas escolhas de carreira, a divisão do trabalho doméstico e o tratamento diferenciado que recebem nas interações sociais.

No mercado de trabalho, as mulheres ainda enfrentam desigualdade salarial, recebendo, em média, menos que os homens, mesmo quando ocupam o mesmo cargo e desempenham as mesmas funções. Essa disparidade persiste mesmo quando as mulheres são mais qualificadas, estudando mais, trabalhando mais, e, ainda assim, ganhando menos. Com um nível educacional mais elevado, elas recebem, em média, 78,9% do rendimento dos homens. Além disso, as mulheres têm maior dificuldade para alcançar cargos de liderança e promoções, em grande parte devido à discriminação, bem como à falta de apoio para equilibrar trabalho e vida familiar. Isso resulta em uma jornada dupla ou até tripla para muitas mulheres, como apontam os dados de 2024 do IBGE, que mostram que as mulheres trabalham, em média, 2,3 horas a mais que os homens por semana, somando trabalhos remunerados, afazeres domésticos e cuidados com outras pessoas, especialmente quando se tornam mães.

Em 2022, as mulheres dedicaram quase o dobro de tempo do que os homens aos cuidados domésticos e com outras pessoas (21,3 horas contra 11,7 horas). Na Região Nordeste, esse tempo foi ainda maior (23,5 horas), sendo também a região com a maior desigualdade em relação aos homens. Em diversas partes do Brasil, as mulheres ainda têm menos acesso à educação, cuidados de saúde e recursos econômicos, o que limita seu potencial e seu poder de decisão.

Na educação, de acordo com os dados retirados do módulo anual de educação da PNAD contínua, do IBGE, de jovens entre 14 a 29 anos, gravidez, afazeres domésticos e cuidados de pessoas estão entre os principais motivos da evasão escolar feminino. O índice de evasão escolar é maior nos meninos do que nas meninas, no entanto é crucial ressaltar que a segunda principal causa da evasão escolar para as meninas é a gravidez, sendo 23,1%, enquanto para os meninos é a falta de interesse, sendo 25,5%. Para 9.5% das meninas, os afazeres domésticos e cuidados de pessoas foram o principal motivo de abandono escolar, enquanto para os meninos isso ocorreu em apenas 0,8% dos casos. A principal causa em ambos os sexos é a necessidade de trabalhar, fator importante de destacar dentro de uma sociedade capitalista.

Este fator de gênero é ainda mais grave quando se considera a interseção de raça, já que mulheres negras ou pardas estão mais envolvidas com o trabalho doméstico não remunerado do que as mulheres brancas (1,6 hora a mais). Além disso, em termos de taxas de desocupação, as mulheres historicamente apresentam taxas mais elevadas do que os homens. Em 2022, 11,8% das mulheres (14,0% das negras ou pardas e 9,2% das brancas) estavam desocupadas, em comparação com 7,9% dos homens (9,0% dos negros ou pardos e 6,3% dos brancos).

A persistência da desigualdade de gênero é intrínseca às características da sociedade contemporânea, marcada por estruturas patriarcais, racistas e capitalistas. A presença predominante de homens em posições de poder político e econômico contribui diretamente para a manutenção dessas desigualdades. Muitas das decisões que afetam a vida das mulheres são tomadas por homens, o que pode resultar em políticas públicas que não atendem adequadamente às necessidades e direitos das mulheres. À mulher é atribuída a responsabilidade de manter o marido (o trabalhador) alimentado, saudável e bem cuidado para que ele continue produzindo com sua força de trabalho. Da mesma forma, cabe às mulheres criar novos trabalhadores, a partir do papel da maternidade. O trabalho doméstico, que muitas vezes é associado ao cuidado e ao amor, permanece invisibilizado e não remunerado. Um reflexão a se fazer é que a empregada doméstica e a diarista, irão limpar, cozinhar, lavar, passar e cuidar dos filhos das patroas, neste caso, de forma remunerada e, ao chegarem em suas casas, essas trabalhadoras irão repetir as mesmas atividades laborais sem remuneração alguma, sendo assim, aquilo que é chamado de cuidado e amor é nada mais do que trabalho não pago.

Além disso, a violência contra as mulheres, incluindo abuso doméstico, assédio sexual, agressão física, verbal e psicológica, e feminicídios, continua sendo uma realidade alarmante. De acordo com o Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), entre 2012 e 2022, pelo menos 48.289 mulheres foram assassinadas no Brasil. Somente em 2022, o país registrou 3.806 vítimas, o que representa uma taxa de 3,5 homicídios para cada 100 mil mulheres. Um aumento significativo nas Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI) também foi observado. Em 2022, 4.172 mortes violentas de mulheres foram classificadas como MVCI, número que superou o total de homicídios registrados oficialmente. Estima-se que o número de homicídios de mulheres tenha sido de 4.670, com uma taxa de 4,3 assassinatos por 100 mil mulheres, o que representa um aumento de 22,8% em relação aos casos oficialmente registrados.

A questão das mortes violentas por causa indeterminada (MVCI) é particularmente importante, pois muitas dessas mortes não são classificadas como feminicídios, embora possam envolver violência de gênero. O fato de que o número de MVCI tenha superado os homicídios registrados oficialmente sugere uma subnotificação ou falhas na classificação precisa das mortes, dificultando a compreensão real da magnitude do problema. O aumento nas taxas de homicídios de mulheres e o crescimento das MVCI refletem uma possível escalada da violência de gênero, exacerbada por fatores como a impunidade, a falta de apoio adequado às vítimas e a persistência de normas machistas na sociedade.

Em 2022, embora o Brasil tenha registrado a menor taxa de homicídios de mulheres da década, os dados indicam que, enquanto a taxa geral de homicídios (de homens e mulheres) caiu 3,6% entre 2021 e 2022, os homicídios de mulheres não apresentaram uma melhora significativa. A taxa de homicídios femininos permaneceu estável, com 3,5 mortes por 100 mil mulheres, sem variação entre 2021 e 2022. Apenas 13 dos 27 estados apresentaram redução nas taxas de homicídios de mulheres, com os maiores declínios observados em Tocantins (-24,5%), Distrito Federal (-24,1%) e Acre (-20,3%). Por outro lado, 12 estados registraram aumentos nas taxas de homicídios de mulheres, com os maiores aumentos observados em Roraima (52,9%), Mato Grosso (31,9%) e Paraná (20,6%). Seis estados apresentaram taxas de homicídios femininos abaixo da média nacional em 2022, enquanto 20 estados superaram a taxa nacional, com as piores taxas registradas em Roraima (10,4), Rondônia (7,2) e Mato Grosso (6,2). Esses estados também estão entre os que mais registraram aumentos na violência letal contra as mulheres, com aumentos de 52,9%, 31,9% e 20,0%, respectivamente.

Vale ressaltar que Roraima, Rondônia e Mato Grosso estão localizados na região da Amazônia Legal, que tem se destacado por índices elevados de homicídios nos últimos anos. De acordo com a 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2023b), as taxas de Mortes Violentas Intencionais na Amazônia Legal são 54% superiores à média nacional. Nesse contexto, os dados apresentados ressaltam a necessidade de uma atenção mais específica à violência contra as mulheres nesta região, onde os índices de violência letal contra elas demandam intervenções mais urgentes e direcionadas.

Um fator importante para compreender as dinâmicas que influenciam a violência letal contra mulheres é o local de ocorrência dos homicídios. A maioria dos homicídios de mulheres ocorre dentro das residências, sendo comumente cometida por pessoas conhecidas das vítimas. Em 2022, 34,5% dos homicídios de mulheres ocorreram em domicílios, totalizando 1.313 vítimas, o que se aproxima da proporção de feminicídios identificados pelas polícias brasileiras, que em 2022 representaram 36,6% do total de homicídios femininos. Entre as mulheres, o domicílio é o principal local de ocorrência dos homicídios, enquanto entre os homens, a maior parte dos homicídios ocorre na rua ou em estradas. Isso revela uma dinâmica distinta de violência, com as mulheres sendo mais vulneráveis à violência letal dentro de casa do que fora dela. Em 2022, entre os homens, apenas 12,7% dos homicídios ocorreram nas residências.

Contudo, é importante notar que, apesar dos avanços na luta pela igualdade de gênero nas últimas décadas, com movimentos feministas e iniciativas globais visando reduzir as desigualdades e promover uma sociedade mais justa e igualitária, o processo continua a ser lento. O Estado brasileiro ainda enfrenta enormes desafios para garantir a proteção das mulheres e reduzir a violência de gênero. O sistema de segurança pública, a capacitação de policiais e a implementação de políticas públicas mais eficazes são áreas que demandam investimentos e reformas urgentes.

¹Carol Pereira Santos é mestranda em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com pesquisa focada em projetos educacionais. Coordenadora do projeto de pesquisa “Novo Ensino Médio, debate público e político: uma análise ideológica das reformas educacionais de 2016 à 2024 no Brasil”. Analista de políticas educacionais, consultora de análise de dados e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa sobre América Latina (NUPESAL). Tutora de cursos pelo Instituto Cultiva.

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