Lula está correto ao dizer que a operação no Rio de Janeiro foi planejada para efetuar prisões e se tornou uma matança. Sua declaração chega a ser uma obviedade.
Contudo, a grande imprensa repetiu a cantilena de sempre: Lula é falastrão e a assessoria tem que socorrê-lo depois que fala de improviso. Típico de incautos em política.
Quem já coordenou ações políticas ou foi governo sabe que é comum o líder falar para um público – e num tom específico – enquanto sua assessoria fala em outro tom e para outro público. Trata-se de um estratagema. Assim, ocorre um fenômeno duplo, típico da inteligência política: além de falar para dois públicos, o líder sobe um tom e a assessoria dá a entender que ele exagerou. Ao final, é possível medir os impactos causados e afinar as ações e declarações. Tem a mesma função que os “balões de ensaio” que sondam a opinião pública.
Em outras palavras, a inteligência política tem relação direta com riscos. Riscos calculados. Essa visão gerencialista e apolítica de tentar evitar riscos é absolutamente desprovida de sentido prático. Acomoda-se ao status quo, à paisagem consolidada. Ora, é justamente o inverso do jogo político que nunca se adapta à correlação de forças vigente. Fosse assim, as pesquisas de opinião seriam lidas como destino definido pelos deuses.
O PT é o próprio exemplo desta natureza política. Nasceu com poucos deputados e nenhum governador. Não tinha força no Congresso Nacional. Contudo, desde o início era respeitado como força e potência política. Liderou a Campanha das Diretas Já, assustou o PMDB e no final dos anos 1980, emplacou uma imensa visibilidade pública. De onde vinha sua força? Da ousadia política e dos vínculos com movimentos e organizações populares, de base.
Lula não é um Presidente de direita. Ao contrário: derrotou a direita nas urnas. O que o obriga a bailar ao som de uma trilha sonora que se altera constantemente.
Como baila? Se adapta e perde seu viço e identidade política? Evidentemente que não. Se o fizer, torna-se presa fácil. Maquiavel sugeria o contrário: o líder político deve ser misterioso e se antecipar. Se for previsível – como os analistas da Globonews insistem que seja – será engolido em poucos dias. O chanceler e secretário da República Florentina dizia que em época de paz é que se prepara para a guerra, ou seja, nada de se adaptar à calmaria.
O falso aconselhamento para que Lula seja pragmático e se curve à correlação de forças no Congresso Nacional é um desserviço à democracia. Primeiro, porque sugere que o parlamento é mais importante que a intenção do voto do eleitor. Segundo, porque uma liderança tem um papel pedagógico. Ele avança nos sinais. Vai além do óbvio. Confronta o senso comum, sem se tornar vanguarda de si mesmo. Esta capacidade de se aventurar e se conter vem com a experiência e a capacidade de escuta.
Quem não tem liderança política dificilmente consegue compreender os movimentos dos líderes. Justamente porque não se fia pelo jogo de xadrez e pelas habilidades necessárias. Se fia pela visão cartesiana, retilínea, definida pelos manuais e vozes do poder.
Lula está certo. Tem que testar terreno e confrontar com o que contraria a sua legitimidade conquistada nas urnas. Tem que empurrar a correlação de forças. Ao menos tentar. Covardia pode ser atributo de Conselheiro Acácio, mas nunca será de um líder político eleito três vezes para a Presidência da República.
Sociólogo, mestre em ciências políticas e doutor em Ciências Sociais. Presidente do Instituto Cultiva. Ex-consultor da ONU. Coordenador do Pacto Educativo Global no Brasil.