Instituto Cultiva

Seminário Debate PNE 2025-2035 e Resistência aos Ataques à Gestão Democrática nas Escolas

São Paulo, 03 de junho — Em um cenário marcado por tensões na educação paulistana culminados pela intervenção da Prefeitura com vista à implementação da privatização da gestão de escolas municipais, especialistas, gestores escolares e representantes da sociedade civil reuniram-se em São Paulo nos dias 30 e 31 de maio para debater os rumos e propor soluções para o próximo Plano Nacional de Educação (PNE 2025-2035). O seminário “A Sociedade Civil Orienta o PNE 2025-2035”, organizado pelo Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (SINESP) em parceria com o Instituto Cultiva, ocorreu na Casa de Portugal e serviu como um espaço de formulação de propostas e de resistência frente a recentes ataques à gestão democrática na rede municipal.

O evento teve início na noite de sexta-feira (30), articulado a um ato de desagravo em repúdio ao afastamento de 25 diretores escolares pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), unidos a pais e representantes da comunidade escolar que levaram pessoalmente à sociedade os seus protestos. A medida, justificada pela prefeitura com base em dados questionáveis do IDEB, conforme apontado em pesquisa do Instituto Cultiva apresentada durante o seminário, foi vista pelos participantes como um grave retrocesso e uma ameaça à autonomia escolar.

Debates e proposições

Por dois dias, o seminário aprofundou discussões sobre os eixos que devem nortear o PNE para a próxima década. O evento contou com as participações de lideranças comunitárias, representantes de movimentos sociais e pela educação, além de parlamentares, como a deputada federal Sâmia Bonfim, o deputado estadual Carlos Giannazi e os vereadores Toninho Vespoli e Celso Giannazzi, todos do PSol.

Durante a programação, mesas com especialistas como Jacqueline Moll, Antônio Gois, Rudá Ricci e Norma Lúcia Andrade dos Santos e Letícia Grisólio Dias, respectivamente presidente e vice-presidente do Sinesp, abordaram a conjuntura educacional brasileira, as disputas políticas em torno do PNE e o papel da luta sindical na defesa da educação pública. “A responsabilidade sobre esse triste cenário nas escolas é da Prefeitura que não implementa as políticas públicas necessárias em cada território”, afirmou Norma Lúcia. “Se não fizermos um enfrentamento muito forte em Brasília vão passar coisas terríveis no PNE”, alertou.

Jacqueline Moll lembrou que o aumento de recursos para a educação não repercutiu em melhorias efetivas para o sistema educacional, o que deve ser um alerta para a mobilização social em torno das discussões sobre educação pública. “O modelo de mercado e os testes padronizados vêm avançando no Brasil. O PIB em educação cresceu, mas esse recurso não serviu para construir a carreira nacional de professores, não serviu para implementar o sistema nacional de educação e não nos ajudou sequer a reconstruir a estrutura física das escolas”, afirmou.

O jornalista Antonio Gois alertou que o discurso propagado em torno das mazelas da educação acabou por enviar uma mensagem perigosa que alimenta o discurso de determinada corrente política que quer acabar com o atual modelo, substituindo-o por outro. “E esse outro nós sabemos o que é. É a militarização, a privatização e por aí, vai”, enfatizou.

Para o sociólogo Rudá Ricci, a intervenção sobre as escolas patrocinada por Ricardo Nunes é um reflexo de um movimento que está se desenvolvendo contra a educação pública no País. “É São Paulo quem está liderando o extremismo na discussão da educação. É São Paulo que vai, pela extrema direita, liderar o debate do PNE e colocar as bancadas nesta linha. Neste momento, não é mais escola sem partido. É privatização da gestão”.

Síntese das discussões

  • Sistema Nacional de Educação (SNE): A necessidade de um SNE que respeite a autonomia dos entes federados e as especificidades locais, reconhecendo os percursos históricos dos territórios.
  • Qualidade da Educação: Críticas à expansão desregulada do EAD na formação docente e a defesa de Projetos Político-Pedagógicos (PPP) contextualizados. O documento aponta que “A qualidade do acesso ao conhecimento deve estar atrelada à adequação dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) das escolas, construídos com base na realidade dos territórios e articulados criticamente à Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”. Questionou-se também a adequação do currículo do ensino médio para exames como o ENEM.
  • Direito Humano à Educação: Ênfase na garantia de acesso, permanência e aprendizagem, com prioridade à inclusão de estudantes com deficiência e à educação antirracista, com implementação efetiva da Lei 10.639/03. Rejeição ao homeschooling.
  • Gestão Democrática: Defesa de gestores concursados e estáveis, fortalecimento dos conselhos escolares e sindicatos, e repúdio à privatização da gestão. O documento reafirma “a importância da permanência de diretores concursados no exercício da função como condição essencial para a garantia da gestão democrática e da estabilidade institucional nas escolas públicas”.
  • Valorização Profissional: Abrangência da valorização para todos os profissionais da educação, não apenas professores, com concursos públicos e carreiras estruturadas. Repúdio a bonificações baseadas em índices como o IDEB.
  • Financiamento Público: Defesa da destinação exclusiva de verba pública para a educação pública com gestão pública. O documento é enfático: “Dinheiro Público para Educação Pública com Gestão Pública!” Propõe-se a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) para garantir 10% do PIB para a educação e maior transparência na aplicação dos recursos, como o FUNDEB.
  • Educação e Vida: Articulação da educação com a transformação socioambiental, justiça climática e social, com PPPs e currículos que dialoguem com a realidade dos territórios e os desafios das mudanças climáticas.

Resistência e Futuro

O seminário consolidou-se não apenas como um fórum de debates técnicos, mas como um ato político em defesa da escola pública, laica, gratuita, inclusiva e socialmente referenciada. A articulação entre a discussão do PNE e a denúncia das intervenções na rede municipal de São Paulo evidenciou a conexão entre as políticas nacionais e os desafios locais enfrentados pelos profissionais da educação.

As propostas e resoluções geradas no seminário buscam agora influenciar os debates no Congresso Nacional sobre o novo PNE, fortalecendo a voz da sociedade civil e dos trabalhadores da educação na construção de um futuro mais justo e democrático para a educação brasileira.

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A sociedade civil orienta o Plano Nacional da Educação 2025–2035