Instituto Cultiva

Feliz Dia das Professoras

Por Micaela Passerino, via Le Monde Diplomatique Brasil

80% dos cargos de direção são ocupados por mulheres nas escolas e a presença feminina na educação infantil é massiva (96,2%). Esse padrão indica como as professoras participam das fases menos valorizadas do ensino, e ainda assim, recebendo salários menores. Em 2020, na educação infantil, os homens ganhavam, em média, 25% a mais que as mulheres


De que adianta o campo da educação ser historicamente marcado pela presença feminina, se a estrutura dessa profissão é permeada pelo machismo? Embora o número de professoras maior em todas as séries da educação básica, os homens seguem recebendo salários mais altos com melhores oportunidades de ascensão, repetindo a mesma cartilha do A B C patriarcal presente na sociedade.

O mais recente Censo Escolar do Inep(2023) mostra que 80% dos cargos de direção são ocupados por mulheres nas escolas e que a presença feminina na educação infantil é massiva (96,2%). Mas na medida em que as etapas do ensino evoluem, a participação das mulheres cai. Nos anos iniciais do ensino fundamental, elas são 87,7%, e nos anos finais, o percentual diminui para 66,2% do sexo feminino. Entre os professores do ensino médio, 58,6% são mulheres, ante 41,4% do sexo masculino.

Esse padrão indica como as professoras participam mais das fases menos valorizadas do ensino, e ainda assim, recebendo salários menores. Em 2020, na educação infantil, os homens ganhavam, em média, 25% a mais que as mulheres, mesmo desempenhando funções equivalentes. Enquanto a média salarial nacional naquele ano era de R$ 3.294 para as professoras, os professores recebiam R$ 3.706, uma diferença de 12%.

A desigualdade salarial não pode ser justificada apenas pelo nível de formação. Ainda que os professores homens tenham, de um modo geral, um grau de escolaridade maior quando comparados ao total de professoras no Brasil, os indicadores mostram que, se a comparação for feita apenas entre docentes com graduação idêntica, as mulheres continuam recebendo salários mais baixos. Tal disparidade reflete a lógica discriminatória que associa o trabalho feminino a características como altruísmo e abnegação, enquanto o trabalho masculino é valorizado pelo investimento educacional e pela busca por autonomia profissional.

Historicamente, a inserção da mulher na docência ocorreu a partir de um contexto de exclusão de outros espaços profissionais. No século XIX, a educação formal era um privilégio restrito a homens brancos das elites, enquanto as mulheres eram educadas apenas para desempenhar tarefas domésticas e cumprir seu papel social de esposas e mães. Foi somente com a abertura de instituições de ensino para meninas que as mulheres começaram a ocupar o espaço público por meio da profissão docente. No entanto, essa entrada no magistério ocorreu em meio a uma divisão de gênero que já associava a educação como uma extensão das responsabilidades domésticas femininas.

Com o avanço do século XX, a feminização da docência foi acompanhada pela desvalorização da profissão, com salários mais baixos e menor reconhecimento social. A precarização das condições de trabalho se somou a um processo de marginalização das mulheres no mercado de trabalho, onde elas desempenham jornadas duplas, acumulando funções profissionais e domésticas.

A ausência feminina no alto escalão político da educação é outro reflexo da estrutura patriarcal. Nunca tivemos, por exemplo, uma ministra da educação mulher desde a redemocratização do país. Embora sejam maioria nas salas de aula, as mulheres têm poucas oportunidades de ocupar posições de destaque nos cargos do Executivo.

A área da educação, sendo um espaço de formação cidadã e produção de conhecimento, deveria transmitir um bom exemplo de combate à desigualdade de gênero. Já passamos do tempo em que o ensino era associado a um ‘chamado vocacional’ das mulheres, naturalizando a ideia de que elas devem aceitar condições menos adequadas em nome de um suposto espírito de sacrifício.

Para a mudança necessária, a garantia de salários dignos, iguais para professores e professoras com funções equivalentes, é um começo, mas não o suficiente. Políticas públicas que incentivem a presença feminina em cargos públicos de liderança, a oferta de programas de formação continuada para o crescimento profissional de professoras e a desconstrução da visão de que o magistério é uma vocação feminina são também medidas importantes.

Na semana dos professores, quando o trabalho do docente é celebrado como essencial ao desenvolvimento da sociedade, fica a sugestão para lembrarmos do quão fundamental é a superação do machismo na educação. Isso passa por mudanças profundas na cultura institucional e na estrutura das escolas, bem como uma articulação entre sociedade civil, poder público e instituições de ensino. A desigualdade de gênero na educação não pode mais repetir ano a ano.

Micaela Passerino Gluz é pedagoga, mestre em Educação pela Universidade de São Paulo, doutoranda em Educação pela UFRGS e coordenadora de Educação do Instituto Cultiva.

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